quinta-feira, 30 de junho de 2011

HOMILIA DE DOM DÉCIO SOSSAI ZANDONADE, PROFERIDA NA MISSA SOLENE DE SÃO PEDRO APÓSTOLO, EM CACHOEIRO DE ITAPEMIRIM



Homilia na festa de São Pedro

29 de junho de 2011

Surpreso fiquei quando Pe.Tatagiba, administrador diocesano, me convidou para presidir esta celebração festiva do padroeiro de Cachoeiro e da Diocese, São Pedro Apóstolo. A ele caberia esta honra. Ainda mais porque está chegando ao fim seu serviço sábio e humilde à frente da administração desta Diocese no aguardo do novo bispo que tomará posse no próximo dia 10 de julho. Insistiu. Não pude negar. Não nego, porém, que fiquei feliz. Tenho motivos. Recordo alguns:

Minha família e eu somos diocesanos de Cachoeiro. Venda Nova do Imigrante sempre fez parte desta grande família de fé. Ainda mais porque o padroeiro de uma e outra é o mesmo São Pedro. Belas recordações de infância, todas ligadas a este dia festivo, remexem ainda em meu coração. Foi numa festa de São Pedro que recebi pela primeira vez a Cristo Jesus na Eucaristia. Preparado cuidadosamente por meus pais Máximo Zandonade e Marta Altoé, até mesmo no exercício de andar de sapatos (nunca havia usado), saí cedinho de casa, no rigoroso jejum, carregando os sapatinhos na mão e sendo alimentado com piedosos pensamentos por meu pai. Dia feliz. Não somente pelo pão espiritual mas – por que negar? – também pelo delicioso pão material, pão doce que desfiava em massa fina de trigo branco e nos era oferecido após a missa surpreendendo o paladar de uma criança que nunca havia comido pão de padaria. Talvez vindo de Castelo ou mesmo de Cachoeiro. Nesta festa, uma tradição fazia também a alegria das crianças. O galo velho do terreiro ia para a panela. O pobre do galo cantador que havia denunciado a fraqueza de Pedro, perseguido ruidosamente pelas crianças era sacrificado e tornava-se o prato principal da festa.

 
Meu primeiro contato com Cachoeiro deu-se aos 25 de fevereiro de 1952, há quase 60 anos. Havia apenas completado 9 anos quando, juntamente com outros quatro coleguinhas, entre eles meu irmão Celso, éramos conduzidos para o Aspirantado Salesiano de Jaciguá. Cinco caipirinhas espantados com tudo o que viam. Primeiro, a jardineira do Sr. Otávio Perim, para nós um pequeno monstro, nos conduziu até Castelo. Depois – espanto ainda maior – o trem de ferro, a simpática “maria fumaça” nos transportou de Castelo a Cachoeiro. A pequena Cachoeiro de então era para nós algo nunca visto, uma cidade enorme. Lembro-me como se fosse hoje o desconforto dos cinco caipiras carregando cada um, às costas, um saco branco com um pequeno enxoval, andando em fila, atravessando o que nos parecia uma grande praça, sendo ridicularizados com assobios por meninos que se deliciavam com aquele espetáculo inusitado. Era terça-feira de Carnaval. Entramos assustados no assim chamado “trem noturno” que nos deixou em Jaciguá.

Com certeza as marcas deste primeiro encontro não foram assim tão boas. Na minha mente e em meu coração ficam, no entanto, as inumeráveis lembranças positivas desta bela cidade e deste bom povo. Cachoeiro do Rei Roberto Carlos, do grande Rubem Braga, do eminente jurista João Batista Herkennhoff. Cachoeiro da Santa Casa e das Irmãs de Jesus na Eucaristia. Cachoeiro da madre Gertrudes. Cachoeiro dos bons médicos como o saudoso Dr. Dalton, mais que médico, pai e amigo de todos, especialmente dos imigrantes italianos. Cachoeiro do comércio variegado. Cachoeiro dos irriquietos ferroviários. Cachoeiro dos colegas de seminário: Lofego, Alochio, Scaramussa, Jomar, Agrizzi, Altoé, Sossai Cipriano e tantos outros. Cachoeiro capital nacional do mármore e do granito. Cachoeiro de Jerônimo Monteiro e uma plêiade de políticos e administradores. Cachoeiro do leite e do calçado. Cachoeiro da Itapemirim. Cachoeiro do Itapemirim. Princesa do Sul.

 
Na base de todos estes títulos, porém, está a fé sustentada por Pedro e seus sucessores. “Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja” (Mt 16). Pedra que é a fé em Cristo Jesus. “Rezei por ti – disse Ele um dia a Pedro – para que tua fé não desfaleça e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos” (Lc 22). Esta fé trazida e semeada aqui pelas missões jesuíticas, fortalecida pela imigração italiana, confirmada e defendida por zelosos pastores, se multiplicou em milhares comunidades eclesiais que formam hoje a santa e saudável Diocese de Cachoeiro do Itapemirim.

Nossa gratidão vai hoje a Deus pelo saudoso, sábio e reto Dom Luiz Gonzaga Peluso, que me ordenou presbítero; pelo dinâmico e determinado Dom Luiz Mancilha, hoje arcebispo metropolitano de Vitória; pelo afável e bondoso Dom Frei Célio, hoje bispo de São João del Rei; e, agora, pelo envio de Dom Dario Campos, novo bispo nomeado desta Diocese e que, certamente, por sua natural simpatia e alegria, realizará com perfeição a missão que o Espírito lhe confiou à frente desta preciosa Igreja Particular de Cachoeiro do Itapemirm. Louvo a Deus pela riqueza espiritual, humana e intelectual do zeloso presbitério e diaconato permanente que servem com entusiasmo a esta Igreja e são uma referência de comunhão para a nossa Província Eclesiástica do Espírito Santo. Agradeço a Deus pelos religiosos e religiosas, de modo muito especial pelas carmelitas que incessantemente elevam a Deus suas orações.

 
Permitam-me que reúna todo este louvor na figura extraordinária de um sacerdote religioso que dedicou praticamente toda sua via a esta Diocese e passou seus últimos anos nesta cidade que o fez seu. Falo do saudoso e inesquecível Frei João Echávarri, que me batizou, deu-me a primeira comunhão e estimulou sempre minha vocação. Símbolo perfeito do sacerdote e religioso que desejamos ser: humano, alegre, vivo, bem inculturado em nossa realidade sem perder suas fortes raízes bascas, profundamente homem e profundamente homem de Deus. Vi nele, traduzido na prática do hoje, a figura do espontâneo e apaixonado Pedro. Que do céu nos acompanhe e nos estimule.

“Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja.” (Mt 16) Com certeza a pedra é a fé, mas ainda com maior certeza a pedra é o amor. “Simão, filho de João, tu me amas mais do que estes? Senhor, tu sabes tudo, tu sabes que eu te amo” (Jo 21). A caridade é a pedra de toque que valida nossa autenticidade eclesial. Um amor apaixonado por Jesus que se traduz em atitudes cotidianas de amor aberto ao diferente, sobretudo ao diferente pobre e abandonado. Uma fé esclarecida na mente que passa por um coração afogueado no amor de Jesus.

Em uma sociedade que tenta excluir Deus do horizonte da economia, da política e até mesmo da família precisamos reconhecer com o Papa Bento XVI: “Não existe prioridade maior do que reabrir ao homem atual o acesso a Deus, a Deus que fala e nos comunica o seu amor para que tenhamos vida em abundância” (cf Jo 10,10). Mesmo que o mundo tente anestesiar nossas consciências, nos amedrontar com propostas que se apresentam modernizantes mas não ligadas à Verdade, mesmo que muitos se afastem desiludidos com as orientações da Igreja, nosso único Caminho, Verdade e Vida é Ele, Cristo Jesus. Com Pedro reafirmaremos: “A quem iremos, Senhor, só Tu tens palavras de vida eterna.”(cf Jo 6)

Cachoeiro sempre acolheu o pluralismo e respeitou o diferente. João Batista Herkennhoff, eminente jurista católico e incansável defensor dos Direitos Humanos, nos lembra em uma de suas crônicas: “Acho que a Humanidade avança se, no campo da Fé, prevalece a visão ecumênica e se, no campo da ação concreta, unem-se todos aqueles que desejam um mundo mais justo, mais igualitário, mais humano”. Aqui está o desafio: ter certeza do que somos, unidos por um mundo melhor. Certeza do que somos: solidez de nossa Fé.

Novamente o Papa nos diz na conclusão da encíclica Caritas in Veritate: “Sem Deus, o homem não sabe para onde ir e não consegue sequer compreender quem seja. Perante os enormes problemas do desenvolvimento dos povos que quase nos levam ao desânimo e à rendição, vem em nosso auxílio a palavra do Senhor Jesus Cristo que nos torna cientes deste dado fundamental: “Sem Mim, nada podeis fazer” (Jo 15,5) e encoraja: “Eu estarei sempre convosco até o fim do mundo” (Mt 28).

Conviver como irmãos: Caridade. Transcrevo aqui a bonita reação de Rubem Braga, citada pelo próprio Herkenhoff, ao incômodo de um vizinho de apartamento: “Vizinho – quem fala aqui é o vizinho do 1003. Recebi, outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava do barulho em meu apartamento. Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Peço-lhe desculpas, prometo silêncio... mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta de outro e dissesse: ‘Vizinho, são 3 horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou’. E o outro respondesse: ‘Entra, vizinho, e come do meu pão e bebe do meu vinho’.” É esta outra vida e outro mundo sonhado por Braga que vivenciamos em cada Eucaristia. É o que queremos testemunhar hoje nesta solene celebração da família diocesana e cachoeirense. Pão e vinho partilhado.

O ícone de Cachoeiro é a pedra do Itabira. Figura simples e expressiva da maneira de ser e viver desta cidade e deste povo. Bem fincada no chão da história, mas continuamente voltada para o céu, para Deus.

Que Maria, a Penha do Espírito Santo, e Pedro, a pedra de Cachoeiro, solidifiquem em todos nós a fé e o amor.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.


Dom Décio Sossai Zandonade
Bispo Diocesano de Colatina











Fonte: Site da Diocese de Colatina

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